quarta-feira, 27 de julho de 2011

Fica pro Jantar

Ao chegar à cidade Dona Matilde não se mostrou muito animada. Brasília estava feia. O tempo frio, seco, um vento forte, chato. A poeira tomava conta da paisagem. No caminho do aeroporto ela passou a mão no creme e espalhou por todo o braço. Aí notou o quanto a pele estava bonita, e queimada de sol. Ela havia passado uma pequena temporada no Rio de Janeiro. Foi só para curtir o réveillon, mas acabou ficando pro carnaval, e aí veio a semana santa, a páscoa, e se fosse por ela ficaria por lá mesmo. O clima do Rio lhe fez muito bem. As netas não gostaram muito dessa visita inesperada. Que negócio era esse de passar o réveillon e não voltar mais? Foi difícil se livrar da velha. Só que a Dona Matilde não estava nem aí pra nada. Achava que as netinhas estavam adorando a sua presença.  

Já na capital precisou voltar à rotina. Esquecer o tempo bom que passou, e encarar a baixa a umidade, e o frio que gelava até a alma. Pelo visto esses longos dias de espera seriam duros. Que verão maravilhoso! Agora estava muito longe dele chegar novamente.

A primeira coisa que pensou foi em reencontrar as amigas. Contar as novidades. Então passou a mão no telefone e conversou um pouco com a Dona Maria. Marcaram de se encontrar pela tarde. Elas só conversavam nesse horário. É que nessa hora a Maria ficava sozinha em casa. O marido aposentando sempre batia o ponto no dominó lá do outro lado da cidade. E o velho era ranzinza que só vendo. Daqueles que não aceitava nenhuma visita sequer. Então quando o ponteiro marcou 14:10 ela ligou. Tranquilo. O estraga prazer já estava na jogatina.

- Como é que tá as coisas? Saudade... disse a Dona Matilde.

A Dona Maria estava numa carranca de fazer medo. Demonstrava total indiferença. E sem muita opção pediu que a amiga entrasse. Daí serviu um suco, puxou uma cadeira. Foi quando a carioca honorária desandou a falar. A Dona Matilde não parou nem para tomar o suco, não deu colher de chá. Parecia uma metralhadora ambulante.

Do outro lado, a amiga, só usava três respostas:

- Ah é?

- Hum...

- Tá!

Quando a garganta da "carioca" falante secou, Dona Maria, resolveu falar alguma coisa. Passou a mão no cabelo. Ajeitou os óculos no rosto enrugado. E com o olhar triste escondido ali naquele fundo de garrafa, disse sem emoção:

- Não tô preparada pra morte.

Dona Matilde visivelmente incomodada, disparou:      

- Se for pra ficar falando disso, eu vou-me embora.

- Quando a gente é jovem, sabe, tem tempo. Pode até pensar na morte, mas agora...

Pintou um silêncio danado no ar. Só a TV participava. E a recém chegada de viagem tratou de mudar o rumo do papo. Logo voltaram a fofocar da vida alheia. Sem querer já estavam rindo da vida dos outros. A tarde passou rápida. Mas de repente escutaram um barulho no portão. Era o coroa que havia chegado. O velho estava com a cara vermelha, e puto de raiva. Abriu a porta, e viu as duas ali no sofá da sala. Elas se assustaram, e a Dona Maria voltou a ficar com a cara fechada. É que o velho não gostava de visita.

Foi quando Dona Matilde tentou ser gentil.

- Como vai Seu Angenor?

- Indo...

O velho estava brabo porque tinha perdido 100 pilas no dominó. Jogou uma pedra errada, e acabou a partida com a mão cheia de bucha.

- A janta já tá pronta, perguntou ele.

- Vou preparar agora.

- Ah tá. O que têm?

- Bife.

- MAS SÓ TEM BIFE NESSA CASA.

Dona Matilde se despediu sem graça e foi embora. No caminho sentiu falta do casaco. Brasília estava friorenta demais. Se tivesse no Rio nem teria se preocupado com a blusa de frio. Pensou nas netas. Imaginou que elas realmente tivessem gostado da sua presença. Sentiu-se contente. E as netas lá no Rio estavam num remorso tremendo por ter mandado a velha embora, sem que ela, estivesse com muita vontade de voltar.

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