Pra começar a segunda-feira aí vai um texto (O pediatra) do Nelson Rodrigues. Grande Nelson!
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O
Pediatra
— Topou!
Topou!
Foi
envolvido, cercado por três ou quatro companheiros. O Meireles cutuca:
— Batata?
Menezes abre
o colarinho: — "Batatíssima!". Outro insiste:
— Vale?
Justifica?
Fez um
escândalo:
— Se vale?
Se justifica? Ó rapaz! É a melhor mulher do Rio de Janeiro! Casada e te digo
mais: séria pra chuchu!
Alguém
insinuou: — "Séria e trai o marido?". Então, o Menezes improvisou um
comício em defesa da bem-amada:
— Rapaz!
Gosta de mim, entende? De mais a mais, escuta: o marido é uma fera! O marido é
uma besta!
Ao lado, o
Meireles, impressionado, rosna:
— Você dá
sorte com mulher! Como você nunca vi! — E repetia, ralado de inveja: — Você tem
uma estrela miserável!
O AMOR IMORTAL
Há três ou quatro semanas que o Menezes falava num novo amor imortal. Contava, para os companheiros embasbacados: — "Mulher de um pediatra, mas olha: — um colosso! ". Queriam saber: — "Topa ou não topa?". Esfregava as mãos, radiante:
— Estou
dando em cima, salivando. Está indo.
Todas as
manhãs, quando o Menezes pisava no escritório, os companheiros o recebiam com a
pergunta: — "E a cara?". Tirando o paletó, feliz da vida, respondia:
— Está
quase. Ontem, falamos no telefone quatro horas! Os colegas pasmavam para esse
desperdício: - "Isso não é mais cantada, é ...E o vento levou".
Meireles sustentava o princípio que nem a Ava Gardner, nem a Cleópatra
justificam quatro horas de telefone. Menezes protestava:
— Essa vale!
Vale, sim senhor! Perfeitamente, vale! E, além disso, nunca fez isso! É de uma
fidelidade mórbida! Compreendeu? Doentia!
E ele, que
tinha filhos naturais em vários bairros do Rio de Janeiro, abandonara todos os
outros casos e dava plena e total exclusividade à esposa do pediatra. Abria o
coração no escritório:
— Sempre
tive a tara da mulher séria! Só acho graça em mulher séria!
Finalmente,
após quarenta e cinco dias de telefonemas desvairados, eis que a moça capitula. Toda a firma exulta. E o Menezes, passando o lenço no suor da testa, admitia: — "Custou,
puxa vida! Nunca uma mulher me resistiu tanto!". E, súbito, o Menezes bate
na testa:
— É mesmo!
Está faltando um detalhe! O apartamento! Agarra o Meireles pelo braço: —
"Tu emprestas o teu?". O outro tem um repelão pânico:
— Você é
besta, rapaz! Minha mãe mora lá! Sossega o periquito!
Mas o
Menezes era teimoso. Argumenta:
— Escuta,
escuta! Deixa eu falar. A moça é séria. Séria pra burro. Nunca vi tanta virtude
na minha vida. E eu não posso levar para uma baiúca. Tem que ser,olha: —
apartamento residencial e familiar. É um favor de mãe pra filho caçula.
O outro
reagia: — "E minha mãe? Mora lá, rapaz!". Durante umas duas horas,
pediu por tudo:
— Só essa
vez. Faz o seguinte: — manda a tua mãe dar uma volta. Eu passo lá duas horas no
máximo!
Tanto
insistiu que, finalmente, o amigo bufa:
— Vá lá! Mas
escuta: — pela primeira e última vez! Aperta a mão do companheiro:
— És uma
mãe!
DECISÃO
Pouco depois, Menezes ligava para o ser amado: — Arranjei um apartamento genial.
Do outro
lado, aflita, ela queria saber tudinho: "Mas é como, hein?". Febril
de desejo, deu todas as explicações: — "Um edifício residencial, na rua
Voluntários. Inclusive, mora lá a mãe de um amigo. Do apartamento, ouve-se a
algazarra das crianças". Ela, que se chamava Ieda, suspira:
— Tenho
medo! Tenho medo!
Ficou tudo
combinado para o dia seguinte, às quatro da tarde. No escritório, perguntaram:
— E o
pediatra?
Menezes
chegou a tomar um susto. De tanto desejar a mulher, esquecera completamente o
marido. E havia qualquer coisa de pungente, de tocante, na especialidade do
traído, do enganado. Fosse médico de nariz e garganta, ou simplesmente de
clínica geral, ou tisiólogo, vá lá. Mas pediatra! O próprio Menezes pensava: —
"Enquanto o desgraçado trata de criancinhas, é passado pra trás!". E,
por um momento, ele teve remorso de fazer aquele papel com um pediatra. Na manhã
seguinte, com a conivência de todo o escritório, não foi ao trabalho. Os
colegas fizeram apenas uma exigência: — que ele contasse tudo, todas as reações
da moça. Ele queria se concentrar para a tarde de amor. Tomou, como diria mais
tarde, textualmente, "um banho de Cleópatra". A mãe, que era uma
santa, emprestou-lhe o perfume. Cerca do meio-dia, já pronto e de branco,
cheiroso como um bebê, liga para o Meireles:
— Como é?
Combinaste tudo com a velha?
— Combinei.
Mamãe vai passar a tarde em Realengo. Menezes trata de almoçar. "Preciso
me alimentar bem", era o que pensava. Comeu e reforçou o almoço com uma
gemada. Antes de sair de casa, ligou para Ieda:
— Meu amor,
escuta. Vou pra lá. E ela:
— Já?
Explica:
— Tenho que
chegar primeiro. E olha: vou deixar a porta apenas encostada. Você chega e
empurra. Não precisa bater. Basta empurrar.
Geme: —
"Estou nervosíssima!".
E ele, com o
coração aos pinotes:
— Um beijo
bem molhado nesta boquinha.
— Pra ti
também.
ESPANTO
Às três e meia, ele estava no apartamento, fumando um cigarro atrás do outro. Às quatro, estava junto à porta, esperando. Ieda só apareceu às quatro e meia. Ela põe a bolsa em cima da mesa e vai explicando:
— Demorei
porque meu marido se atrasou.
Menezes não
entende: — "Teu marido?", e ela:
— Ele veio
me trazer e se atrasou. Meu filho, vamos que eu não posso ficar mais de meia
hora. Meu marido está lá embaixo, esperando.
Assombrado,
puxa a pequena: — "Escuta aqui. Teu marido? Que negócio é esse? Está lá
embaixo! Diz pra mim: — teu marido sabe?". Ela começou:
— Desabotoa
aqui nas costas. Meu marido sabe, sim. Desabotoa. Sabe, claro.
Desatinado,
apertava a cabeça entre as mãos: — "Não é possível! Não pode ser! Ou é
piada tua?". Já impaciente, Ieda teve de levá-lo até a janela. Ele olha e
vê, embaixo, obeso e careca, o pediatra. Desesperado, Menezes gagueja: —
"Quer dizer que...". E, continua: "Olha aqui. Acho melhor a
gente desistir. Melhor, entende? Não convém. Assim não quero".
Então,
aquela moça bonita, de seio farto, estende a mão:
— Dois mil
cruzeiros. É quanto cobra o meu marido. Meu marido é quem trata dos preços.
Dois mil cruzeiros.
Menezes
desatou a chorar.
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