Abriu o armário e depois andou até a área de serviço.
Prestou atenção nos ruídos que vinham de fora. O intuito era não lembrar. Ou
querer fazer que não devesse lembrar. Um método fraco ainda mais que existe
coisas que não tem controle. Um palavrão ao abrir a torneira. Um sorriso ao
ligar o computador. E uma gargalhada maquiavélica ao tentar se despistar da foto
no porta retratos. Nesse momento teve uma sensação de palmas em seu ouvido. Lembranças
são como entulhos. Lembrou-se, por exemplo, da síndrome de Diógenes. A pessoa
pega todo lixo que encontra pela frente e guarda em casa. Entulhos mais entulhos.
E na sua cabeça ideias, sentimentos, e lembranças se amontoavam aos montes.
Parecia uma espécie de síndrome também. E precisava se livrar de algumas. Papo!
Taí uma coisa que ninguém se livra: dos seus fantasmas. Os entulhos talvez necessitem
de algum destino antes que o sufocasse de vez. Antes que o impedisse até mesmo
de lavar os pratos. Jogou um pela janela só para fazer um teste, mas ao invés de
sentir-se como deveria sentir, viu que acertou a casinha do cachorro no
quintal, e não funcionou. O pobre do cão ficou assustado e começou a latir. Inútil tentativa. Jogou os
cacos no lixo da cozinha. Daí passou a mão na cabeça dele e o animal começou
a brincar. Viu um jornal antigo na cadeira. Ao ler a palavra cruzada, o telefone na sala tocou. Lá de fora veio o barulho de um portão sendo aberto. Deixou o fone quieto no gancho até a pessoa desistir. Ficou por quase 40 segundos. Depois veio um pouco de silêncio. Foi até o aparelho conferir a bina. Era ela do outro lado.
Ligava do celular. E nessa hora era bem capaz de estar louca em algum canto da
cidade. Não retornou a ligação como também o telefone não tocou mais. Deve ter
conseguido se virar, ou ter voltado, pra casa do pai. Enquanto esperava a segunda
ligação dizia pra si mesmo que assim que atendesse iria pagar um sapo, só que o telefone permaneceu mudo. Quis mudar o pensamento de que assim era melhor. Então preencheu as palavras que estavam faltando, e viu que ainda conseguia fazer uma cruzada de jornal.
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