Numa sexta-feira decidi eu mesmo fazer greve. Matei aula. E
fui pra rua, comprei uma carteira de cigarros, tomei café num barzinho, e
acabei na biblioteca pública da 513 sul. Tá aí um lugar aconchegante.
Silencioso. E bem melhor do que qualquer sala de aula. Li o jornal. Uma notinha
dizia que a UNE iria apoiar o movimento. Me lembrei do carro de som deles
tocando música baiana, e aquele grande clima de Micarê Candanga. Chiclete com
banana e a banda do Netinho nos altos falantes. Vamos companheiro! Resolvi
parar de ler. 10 da manhã senti saudades da biblioteca demonstrativa. Estava
longe pra burro, mas resolvi ir caminhando até lá. Fui pela w3 olhando as
vitrines, e de vez em quando parava nas bancas de revistas, dava uma olhada naquelas
gostosas das capas, e seguia adiante. Num boteco pedi uma cerveja. Depois veio
mais uma e bateu a fome, almocei um belo prato feito. Li um pouco o caderno do
cursinho bem devagar. Depois cai na w3 sul novamente numa caminhada tranquila
até a 507. Mas agora lá estava eu novamente naquela biblioteca. Passei pela
roleta. Aparentemente não tinha mudado nada. Fui até a prateleira. Queria topar
com algum livro que me chamasse a atenção. Algo dos autores que aprecio.
Pressenti que estava diferente. Hemingway, cadê você? Encontrei um exemplar do
Borges. Peguei. Vi um livro de contos do Rubem Fonseca, também peguei. Achei um
com técnicas de desenho. Peguei. Daí catei uns 8 livros. As estantes já não
eram as mesmas. Elas estavam repletas de livros de direito constitucional,
penal, trabalhista, livros de concurso público. Sentei numa mesa sozinho, e
comecei a ler. Chegou uma menina na outra ponta. Determinados textos funcionam
como uma bebida, ou um alimento, depende de qual é a sua fome. Olhei ao redor e
ninguém estava se “alimentando”, todos pareciam concentrados em entender algo.
Vi que estava no meio dos concurseiros. Uma menina linda e entediada à
esquerda. Um bombado tentando se concentrar. Uma menina de cabelo cacheado do
outro lado da minha mesa. O ventilador no máximo. Eu era o único que não estava
estudando. Me senti bem. Eles estavam com o semblante triste. Decerto a leitura
pra eles significa apenas estudar. E ler não é só isso, ler é um papo consigo
mesmo usando palavras que não são suas, é uma forma de você poder escutar a sua
voz com os sentimentos impressos ali. E só um cara fazendo isso numa
biblioteca praticamente cheia? O que esta acontecendo com a leitura? Até quando
as bibliotecas só vão ter estudantes? Cadê as pessoas que querem se embebedar
com os livros? Não tenho nenhuma dúvida de que sempre estive certo: a leitura não
tem nada haver com a proposta da escola. A literatura corrompe. E pelo visto os livros que gritam nas estantes, ou
aqueles que nos fazem rir, chorar, e ter raiva já estão a caminho da extinção.
Os tristes concurseiros já influenciam em quais livros devem estar nas
prateleiras. Então resolvi fazer um ato
“terrorista”. Antes de ir embora ajeitei os 8 exemplares de forma que eles ficassem
espalhados na mesa. Como um voyeur queria ver se alguém ao sentar ali iria
folheá-los, ou até mesmo ler um pouco, mas depois que levantei preferi ir
embora. Quando já estava na porta quis virar discretamente pra dá uma olhada,
mas não fiz isso. Quem folheou aquelas páginas? Nunca vou saber. Às vezes a imaginação é melhor do que a realidade.
quarta-feira, 4 de julho de 2012
W3 Blues
Depois que a atendente do cartório me disse que ia demorar
resolvi dar uma passada na biblioteca. A
biblioteca demonstrativa de Brasília fica logo ali na 507 sul. É do lado do
cartório. 5 minutos de caminhada e você tá lá. Levei um pouco mais por que o
sol estava rachando. Durante um tempo da minha vida de estudante sempre me
refugiei nessa biblioteca. Lá era o meu esconderijo predileto. Estudei o 2º
grau no Elefante Branco, e esse colégio fica por perto também. Ainda não tinha
estudado em colégio público, e estudar no Elefante Branco foi interessante.
Todo ano tinha greve, e as greves duravam meses. Fiquei sem professor de
química um tempão, e quando apareceu, ele só pediu um trabalhinho, e pimba! Aprovado
garoto! Essas greves são bem descaradas. Os alunos se lascam e não dão um pio
sequer. Todo dia tinha um carro do sindicato clamando: vamos cambada, o
movimento precisa de você. Alguns idiotas acreditavam nessa lorota e iam na
procissão. Eu comia um cachorro quente no baiano, e pra não ter o que fazer, ou
ir pra casa resolvia caminhar lentamente até a biblioteca. De forma que fiquei
ainda mais vagabundo do que sou realmente. Nisso aproveitei pra fazer a minha
carteirinha, e comecei a pintar por lá sempre quando queria paz, ou
simplesmente correr da encheção de saco daquele tempo: vestibular, qual
carreira seguir, tirar a habilitação, exército, e mais uma porrada de coisa
chata. Pegava uma baia, e esquecia do mundo. Já bem acomodado na cadeira, as
minhas atividades se resumiam em treinar a assinatura, desenhar, tirar um
cochilo, e depois catar algum livro na estante. Ficava horas e horas lendo e me
divertindo. Quando terminou o 2º grau fui para o Objetivo na 913 sul. De volta à
rotina dos colégios particulares. Deus do céu! Senti a pancada. O ritmo era
diferente. Uma merda. Deu saudade das greves dos professores. Talvez eu fosse
um vagabundo incorrigível.
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