terça-feira, 1 de novembro de 2011

Noite de Sexta

Começo de noite. Sexta-feira entro no bar do Beto na Asa Norte. De vez em quando passava lá para algumas cervejas antes da aula. Ficava das 19:30 até as 21:00. É que nessa época só tinha os últimos horários na faculdade, então ficava de bobeira por aí, ou estudava na biblioteca, ou ia pro bar. Nesse dia preferi o bar. O Beto é um cara gente boa. E além de ser bom de papo, ele não enche a paciência. Pra falar a verdade o cara tem a manha. Grande figura! Sai do setor bancário e fui direto para uma mesa reservada, bem lá no canto. De tal forma, que fiquei encostado na parede em frente ao balcão. 

Deixei os cadernos na mesa, e pedi uma gelada. Estiquei as pernas olhando as fotos na parede ao lado. Naquela época o bar organizava umas rodas de choro, e samba. Não sei como está hoje, mas rolava esses eventos por lá. Nesse dia o ambiente estava tranquilo. O Beto como sempre ficava lá do outro lado do balcão arrumando as coisas, e enquanto a cerveja descia aproveitei para trocar uma idéia com ele, e assim fomos jogando papo fora até escurecer. 

De repente entra uma mulher com uma pilha de cadernos e livros nas mãos. Linda! Coloca toda aquela bagulhada em cima do balcão, ajeita o cabelo, e pede uma vodca. O Beto acha meio estranho, mas cata uma garrafa que está praticamente no fim, pede um minuto para buscar outra no estoque, e ela fica aguardando encostada no balcão. Com certeza deveria está acontecendo alguma coisa braba com aquela menina. Pra encarar uma vodca logo de cara. Continuei na minha. O Beto foi rápido. Tirou a poeira da garrafa, e encheu um copo americano até a metade. Ela ordenou que completasse a dose. Então ele encheu até a boca. Quis oferecer um gelo, um refrigerante para que ela pudesse encarar a dose com mais tranquilidade, mas não, a menina recusou, e sem miséria, mandou o destilado pra dentro num só golpe. Em seguida pagou, catou os cadernos, e foi embora. Minto. Ao se despedir jogou um beijinho pro Beto e sumiu pelas quadras da Asa Norte. Ele me olhou sorrindo.

- Você viu meu camarada, ainda me mandou até um beijo.

Quando paguei a conta não é que a mulher apareceu de novo. Quis ficar, mas pensei que poderia dar muito na cara. Aí resolvi seguir para a aula de fisiologia II. Aula prática. Sexta-feira: 22:00, encontro uma mesa enorme com um cadáver, e um bando de estudantes ao redor. O professor discorria sobre o funcionamento da digestão. O cadáver estava aberto do pescoço até a virilha. O rosto dele virado para o lado oposto. Ainda bem. Pele morena. Cabelo crespo. Já deveria estar ali há muito tempo. Qual seria o seu verdadeiro nome? Alguns estavam interessados na digestão, outros no funcionamento do esôfago. O professor meteu a mão na barriga dele e puxou o estômago. Esse cara morreu como? Indigente? Será que a família sabe que ele está por essas bandas? Numa outra mesa ao lado havia pulmões, rins, e outros órgãos. Penso que se depois de morto tivesse que doar alguma parte do meu corpo pr'alguma universidade este orgão seria o meu pau. O cheiro de formol tomava conta do lugar. Quando o professor vacilou, um amigo gaiato deu um peteleco na orelha do Fred. O verdadeiro nome dele agora. Sorri meio sem graça. Mas gostei do bom humor do meu amigo. Porra, noite de sexta-feira com um baita climão desses. Cadê aquela menina? A gente poderia estar lá no bar do Beto tomando uma cerveja, ou vodca, sei lá. Quando a aula acabou tive que ajudar a guardar o Fred num tanque metálico cheio de formol. Ao deixá-lo ali vi que no fundo havia outro cadáver. Me disseram que era o Barney. Tive a impressão que ele usava bigode. Quando sai da faculdade voltei ao Bar. E o Beto ainda estava atrás do balcão.

- E aí Betão, beleza... E aquela menina? Que gata!
- Que menina?
- A menina da vodca. Que bebeu a dose inteirinha.
- Tô lembrado não.
- Que isso! Será que eu tô ficando maluco?
- Ah! Tá! Pô! Que gata, né. Ela veio aqui e bebeu outra dose.
- Falou o nome?
- Não. Ficou na dela, e depois foi embora de vez. Por quê?
- Não! Nada... Só achei ela bonita.
- Rapaz... Ela não deu papo pra ninguém. Mas parece que já tava doidona.
- Sério?!
- Verdade.
- Olha, vou deixar uma dose aqui paga, tá. Quando ela aparecer de novo, você fala que é presente de um admirador.
- Rapaz... Mulher bonita bebendo daquele jeito só pode dar em confusão.
- Ah! Depois desse dia de hoje, tá valendo!

2 comentários:

Alan disse...

Rsrsrs...Se fosse vc teria ficado no Beto pô, nem iria pra aula, e pensar que ainda pela frente teria que encarar um defunto. rsrs
Abraço!

RF disse...

O Beto é o melhor doutor da sexta-feira. Grande Abraço