quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Tarde de Quarta-feira

Pra não deixar o bate papo do boteco tedioso preferi escrever esse texto
(Ontem a cerveja estava trincando de gelada)

Talvez a palavra que possa trazer mais dificuldade pra quem quer se expressar seja uma só: linguagem. Ela vai instrumentalizar o que tem a se dizer. E a maneira de como se dizer algo tem a sua razão de estar ali. Quando se tem domínio da sua própria linguagem, a palavra se torna uma espécie de arma. Mas como não é agradável entender a palavra como arma, vou substituí-la por ferramenta. Uma ferramenta de poder infinito, mas que também tem os seus abismos. O artista assim como o homem comum persegue a sua linguagem com o intuito de manter-se vivo, e em contato com o outro. A diferença é que o homem comum não tem que prestar contas com a arte, e talvez por isso que muitos artistas se sintam com essa missão tola de tentar revelar o que não se vê, ou se sente como se fosse um trabalho indispensável. Não quero jogar no lixo o poder que a arte tem de interferir na nossa vida. É que pensá-la numa mão única impõe o que não se entende como um problema a ser combatido. O que vai prevalecer? O purismo artístico ou a liberdade niilista? Independente de qual o caminho a seguir, não se pega bem encarar a arte como instrumento evangelizador. 

A arte não é pra isso, se existir algum propósito que ele seja não-diretivo. Se algo mudar pras pessoas, ou pra sociedade é por que o artista conseguiu mexer com a sua própria vaidade. Colocou ela a prova. É como aquele suicida que joga um galão de gasolina no próprio corpo e ascende o fósforo. Ou aquele amante que de repente diz “Eu te amo” na frente de todo mundo sem medo de ser idiota. Existem razões que nunca vamos descobrir, e nem adianta especular. O escritor vai ter a sua palavra, a fotografa o seu click, e o lixeiro a sua vassoura. A arte está exclusivamente na mão de alguém? Do profissional diriam alguns, mas vou citar outra vez o poeta Luís Garcia Montero

Numa entrevista no ano passado ele arrematou essa ideia de maneira brilhante. 

“Creio que a poesia jovem espanhola vive um bom momento, ela tem uma vitalidade difícil de encontrar na Europa. Não é raro que um poeta espanhol venda cinco, seis mil exemplares porque a poesia está conectada com as pessoas. Creio que, muitas vezes, o primeiro culpado de não se ler poesia são os próprios poetas. Quando eles escrevem numa linguagem que as pessoas não entendem, sobre coisas que não têm nada a ver com a vida das pessoas, não podem esperar que as pessoas leiam poesia. E como o capitalismo é muito positivista, muito industrialista, ele não se interessa pela poesia, aí a poesia acaba não se interessando pela sociedade e os poetas se colocam numa postura de escrever numa linguagem difícil, sobre coisas que nada têm a ver com a sociedade. Isso já deu poesia vanguardista muito boa, mas também afastou a poesia da sociedade. Recuperar com dignidade poética a linguagem das pessoas é voltar a crer na comunidade, é recuperar a linguagem comum do espaço público onde a rebeldia da consciência pode encontrar um sonho coletivo capaz de se opor a toda essa perda de valores democráticos da sociedade contemporânea”. 


Então ao ler uma matéria dizendo que a criação poética é obrigatoriamente para poucos, já que contraria o senso comum é muito triste de se aceitar. A criação pode até ser para poucos, mas o senso comum não deve ser subestimado. A linguagem do dia a dia é viva, e não há como se negar isso seja qual for a formação do artista. Tanto faz se ele venha de uma escola acadêmica, ou das ruas. Aliás, ainda existe alguma escola? O único dever do artista é mudar-se a si mesmo. Não tem ideia mais besta do que querer mudar o mundo. Tenho vários amigos e amigas que escrevem, mas que se sentem incapazes de mostrar um risco sequer, por receio de serem mal interpretados, simplesmente, por estarem fincados até o pescoço numa instituição acadêmica. Tá na hora de dar um chute na porta, moçada! Esse negócio de ser aceito é uma tremenda bobeira. Pode ser um fardo também. Não existe jeito certo ou errado. Como diria o Bukowski: "escrever é uma forma de lamento. Alguns simplesmente lamentam melhor que os outros". 

Na vida: o senso comum, o sexo, a fome, a covardia, a pornografia, a falta de pudor, o carinho, o respeito, o palavrão, o desprezo, e o que mais aparecer pela frente, vai servir de material pra arte fazer cócegas na sociedade e descobrir se existe essa tal democracia mesmo. O Montero foi bastante feliz na sua colocação. Recuperar com dignidade poética a linguagem das pessoas traz pra vida. Agora como lidar com essa dignidade poética?  Cada um lapida a sua obra conforme deseja, e isso tem que ser respeitado, ora. Por que serve de reflexo pra sociedade também. É uma espécie de contrapartida. O ideal a ser alcançado pode servir de combustível, mas a arte que se nega a olhar pra vida, se não morrer de madura, vai agonizar na praça com as melhores intenções.

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