quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

"E a essa altura do fato nem fumaça tem cano de descarga"

Eu e a minha mania de colocar apelido nos outros. Não faço isso por maldade, ou pra difamar. É só uma traquinagem de moleque. Só isso! Apelidos com nomes de pessoas que admiramos, só funcionam pra quem a gente tem respeito. O garçom do bar agora se chama: Adílio, meia-direita do flamengo nos anos 80. É só berrar que ele atende o pedido num instante. Aparentemente ele até gostou da brincadeira. Acho que o seu nome oficial deve ser Pedrito, ou algo por aí, e isso quer dizer que Adílio soa bem melhor. O cara é gente boa. Tem um doidão que anda pelo comércio resmungando sem parar que virou o Sid Vicious. Aliás, ele e a sua esposa ganharam a alcunha de Nancy e Sid. Os dois são barra pesada. Outro dia vi ele na mercearia andando de um lado pro outro com a cara vermelha. A Nancy nem tinha dado sinal de vida. Pelo visto tinha sumido do mapa. O punk rock não estava com cara de bons amigos. Naquele dia o pau deve ter quebrado. Tem um funcionário público que é meu amigo de bar. Até hoje não sei o nome dele. E ele também não sabe o meu, mas o camarada sempre vem conversar comigo. Pouca gente vai com a cara dele. Não gostam da sua presença. Tenho a impressão de que isso acontece porque ele sempre anda meio doidão, meio com a cara amarrada. Pra falar a verdade o Hunter nunca me encheu o saco. Hunter! Bom... Esse é o seu apelido. Coloquei em homenagem ao Hunter Thompson. Ele é a lata do cara. Toma sempre uma dose de conhaque até a boca do copo. É daqueles boêmios que tem o fígado do Wolverine. Às vezes ele tá numa deprê braba e entra de sola no destilado. Mas além do pai do jornalismo gonzo, o meu amigo também lembra o personagem - Elias do filme do BelmonteMeu Mundo em Perigo. Quando ele chega nesse naipe a semelhança é assustadora. O tema da conversa é praticamente o mesmo. Impressionante! Já vi o Hunter com aquela mesma carga emocional. Mergulhado até o pescoço. Tinha tomado um soco no olho direito. E talvez por isso que algumas pessoas o evitava. Tinham um pé atrás com ele. Besteira! Os otimistas podem ser muito mais nocivos. Ele, pelo ao menos, consegue ficar em silêncio, e os felizes-para-sempre nunca fecham a matraca. Acham que a sua felicidade deve ser compartilhada a qualquer custo. Provavelmente isso seja efeito dessa maldição da internet: compartilhe os seus melhores momentos... E nessa tradição teve um dia que ele chegou de óculos raiban e uma camisa florida. Ficou ainda mais parecido com o doidão do Thompson. Parecia que estava em Porto Rico enchendo a cara de rum feito o diário de um jornalista bêbado. Pra falar a verdade parece que aquela camisa espalhafatosa lhe fez um bem danado. Deu um chega pra lá no seu mundo em perigo. Depois disso ele sumiu da área. Será que fez como o seu xará de medo e delírio em Las Vegas, e colocou o pé na estrada? “O porta-malas do carro mais parecia um laboratório móvel do departamento de narcóticos. Tínhamos dois sacos de maconha, 75 bolinhas de mescalina, cinco folhas de ácido de alta concentração, um saleiro cheio até a metade com cocaína e mais uma galáxia inteira de pílulas multicoloridas, estimulantes, tranquilizantes, berrantes, gargalhantes... além de um litro de tequila, outro de rum, uma caixa de Budweiser, meio litro de éter puro e duas dúzias de amilas”. Ah! Já ia me esquecendo. Também tem o Louis Ferdinand Celine, ou para os íntimos: Sr. Celine. Tá aí outro apelido apropriado. O velho tem pinta de ranzinza, anda sozinho e fica esperando o dono do bar abrir a porta no domingo de manhã. Ali não tem carnaval. Nem mesmo aquele sorrisinho cínico pra relaxar. O velhote leva o seu radicalismo ao extremo. Não conversa com ninguém. Num dia de calor, enquanto todos estavam sentados na parte da sombra e água fresca, ele bebia a sua cevada na parte do sol, ali prostrado na cadeira. Depois caminhava lentamente até o banheiro e logo voltava para os seus pensamentos. A cerveja esquentou e ele não deu nenhuma pinta de que iria reclamar. É profissional. E a vida segue.

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